Tudo o que você queria saber
sobre pré-sal
por Willian Vieira e Maurício Horta
Há 130 milhões de anos a América do Sul e a África começavam a se separar fisicamente. E, na rachadura entre os dois continentes, um caldo de matéria orgânica foi se acumulando. Enterrado então por uma imensa camada de sal e por sedimentos, esse cemitério de plâncton cretáceo se tornaria o novo passe para o "país do futuro". As regiões onde se formariam as bacias de Campos e de Santos foram varridas por terremotos, cheias de rios, desmoronamentos e tempestades. A cada catástrofe, enormes fluxos de sedimentos se depositaram no fundo da fenda. Assim se criou um lago estreito de água salobra de 800 km de comprimento. Esse lago virou um enorme pântano rico em plâncton - organismos como bactérias e crustáceos microscópicos. Conforme essa matéria orgânica se depositava, ela se misturava a finas partículas de argila, areia, calcário e conchas. Formou-se então a rocha porosa em que o petróleo está armazenado.
Mas a atividade tectônica não parou por aí.
Com o afastamento dos continentes, as águas do oceano passaram a invadir o
lago, formando um mar longo e estreito. Assim que a água salgada evaporava,
acumulava uma camada de sal no leito do mar. Com o tempo, o sal atingiu 2 mil m
de profundidade. O mar continuou se
alargando e formou o Atlântico Sul. Com o calor e sob a pressão da água, do
leito oceânico, do sal e de rochas, a matéria orgânica virou petróleo
nos últimos 20 milhões de anos.
O
petróleo do pré-sal não é dos
melhores, mas ainda assim é bem superior ao do pós-sal. Hoje, 70% dele é do
tipo "pesado". Para virar produtos de alto valor, como diesel, gasolina e
lubrificantes, encarece muito o refino, ele acaba valendo bem menos. Já o pré-sal tem petróleo de densidade
média - mais fácil de refinar, e mais valioso. Essa diferença de qualidade
acontece por causa das temperaturas nas profundezas do pré-sal. O calor de
150 ºC não permitiu proliferar as bactérias que no pós-sal comeram as frações
mais leves do óleo.
As
plataformas serão como navios ancorados a 3 km do leito do mar. Cada uma terá
até 200 funcionários, que virão em super-helicópteros capazes de vencer
distâncias para aviões: 300 km em 80 minutos. Ainda não se sabe como as sondas
vão vencer 2 km de sedimentos e 2 km de sal, que se comporta como uma massa
plástica e impermeável teimosa. O óleo sai de 150 ºC lá de baixo do sal e chega
a 4 ºC na lâmina d’água - e nesse resfriamento ele pode coagular e entupir os
dutos. Junto com o petróleo vem de
brinde o gás natural. Maravilha? Não. Para transportar o gás, é necessário um
caro gasoduto oceânico de 300 km ou liquefazê-lo na plataforma - processo que
desperdiça energia.
Ninguém
sabe o quanto de petróleo existe nesta reserva, mas as estimativas da Agência
Nacional do Petróleo é de que, com o pré-sal, o Brasil
tenha 50 bilhões de barris de petróleo, só nas
áreas prospectadas. E, se depender de anúncios mirabolantes do Ministério de
Minas e Energia, esse número pode atingir 150 bilhões de barris. Se for
verdade, o Brasil ultrapassará o Irã como a 3ª maior reserva do mundo.
Se você encontrou
petróleo ao fazer um buraco no quintal, não, não ficou
rico. O que jorrar é da União. Para ter direito de explorá-lo, vale a mesma
regra de gravar a música de outra pessoa: tem que pagar royalties. Hoje, 30%
dos royalties vão para a União, 26,25% para estados produtores, 26,25% para
municípios produtores, 8,75% para municípios atingidos pelo transporte do petróleo e 8,75% para demais estados e municípios. O
argumento para essa divisão é que os royalties servem para compensar estados e
municípios produtores com o que gastarem em infraestrutura, e compensar
possíveis danos ambientais. Mas quem não mama chora: deputados de estados não
produtores propuseram distribuir os royalties para todos - o que tiraria R$ 8
bilhões do Rio. Isso, claro, engatilhou uma guerra entre estados. O Congresso
esta estudando qual a melhor proposta de divisão.
A parte da
receita do pré-sal que cabe à União vai para o Fundo Social. A
ideia é que esse fundo deposite grana fora do Brasil, o que compensaria a
entrada de dólar vindo do petróleo.
Assim, o fundo servirá de "colchão" quando o petróleo estiver em baixa. Enquanto essa "poupança" deve
continuar guardadinha, o governo deve sacar apenas seus rendimentos. Com essa
grana, promete investir em tecnologia, educação, saúde, ambiente e combate à
pobreza.
Ainda não somos
autossuficientes em petróleo, embora o Brasil extraia mais petróleo do que consome, o cálculo engana. Como parte
das refinarias brasileiras foi construída nos anos 70 para o petróleo leve importado do Oriente Médio, não conseguimos
refinar todo o nosso óleo pesado. E aí o que fazemos é como exportar laranja e
importar suco.
Na Arábia
Saudita, o petróleo financia uma monarquia autoritária. Na
Nigéria, alimenta conflitos étnico-religiosos. Na Venezuela, domina a economia
ao ponto de a PDVSA, a "Petrobras" deles, virar um Estado dentro do
Estado, e outro setores econômicos acabarem aniquilados. Mas é pouco provável
que isso aconteça no Brasil. O país já era uma democracia estabelecida quando
achou as megarreservas; sua economia é sólida e diversificada: apenas 8% do PIB
vem do petróleo, contra 80% na Venezuela. E o Fundo Social
deve evitar maiores problemas. Com o Estado controlando grande parte do setor,
"o maior risco é o país não ter instituições fortes que impeçam a
apropriação errônea desses recursos por grupos de poder", diz Maurício
Canêdo , da FGV.
Deverão surgir empregos nas áreas da
Indústria Química (Nordeste e RJ), em estaleiros (PE,CE AL,BA,RJ, RS). Além de
navios a exploração do pré-sal tem trazido encomendas de equipamentos como
helicópteros, submarinos, robôs, tudo mais ou menos made in Brazil, na marra.
Isso pode trazer para cá centros de pesquisas tecnológicas de empresas
estrangeiras - como a GE, que deve fazer no Rio seu 5º centro de pesquisas
mundial, por US$ 150 milhões. Ele deve ter 300 funcionários, a maioria
doutores.
Até
2012 a Petrobras quer contratar 207 mil profissionais. Para dar conta desse
tsunami petroleiro, cerca de 100 novos cursos superiores voltados ao petróleo já pipocaram
nos últimos dois anos, a maioria para tecnólogos. Mas o que mais falta é
engenheiro: o déficit em 2012 será de 150 mil profissionais. Ainda assim,
apenas 1 em cada 800 vestibulandos escolheram engenharia. E você? Vai perder
essa?
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